#WP81: A mulher escarlate

 Quem me acompanha há mais tempo, sabe que adoro escrever. Seja ficção, sejam textos de opinião, desde que seja para escrever. Mas por vezes, a inspiração foge ou nem sequer chega, então ando sempre à procura de alguma coisa que dê aquele clique no cérebro, e recentemente entrei no mundo das writing prompts, que são basicamente frases genéricas de onde depois nasce uma história, ou um conto, ou quem sabe, um livro inteiro. E decidi partilhá-las com vocês, em conjunto com os textos que daí advieram. E quem sabe, se também não inspiro outro escritor ou criador de conteúdo...

Prompt: O que é uma Mulher Escarlate? Estará a fazer algo errado ou pecaminoso? Diz-nos o que achas ao escreveres uma história sobre tal mulher

Por definição, e seguindo os exemplos dos clássicos da literatura, toda a coisa ou criatura denominada de “Escarlate” é algo pecaminoso, digno de vergonha e humilhação alheia. Basta olharmos para o clássico da literatura “A Letra Escarlate”, de Nathaniel Hawthorne, que fala precisamente de mulheres adúlteras que eram marcadas com uma letra escarlate no peito, para que sofressem humilhação pública.

No entanto, esse mesmo livro fala também de uma mulher chamada Hester, que mesmo sendo perseguida, rejeitada e desprezada, ergue-se em todo o seu esplendor. Resiste e persiste, indomável. Para mim, essa é a verdadeira definição viva de uma mulher escarlate.

A própria cor escarlate tem vários significados: paixão e energia, poder e força, luxo e nobreza, sacrifício e martírio, alerta e perigo. Nem valia a pena continuar a escrever, a mulher escarlate está aqui definida em toda a sua glória. Reparem que em lugar nenhum a cor escarlate significa “adultério”.

Isso é porque a mulher escarlate não é adúltera. A mulher escarlate é uma mulher poderosa, apaixonada, destemida. Indomável.

É o tipo de mulher que os franceses chamam la femme fatale. É o tipo de mulher que os homens temem porque consegue superá-los em tudo o que decida fazer. É o tipo de mulher que consegue calar uma sala inteira só com o som dos saltos a bater no mosaico enquanto ela entra, porque a conhecem só pelo andar.

A mulher escarlate vive a vida ao máximo, seguindo os seus próprios princípios e ambições e desviando-se do caminho que a sociedade em geral espera que ela siga, e por isso é olhada de lado, é desprezada, é ignorada, mas isso não a abala. Ela não se curva nem rebaixa perante nada nem ninguém, continua a seguir o seu caminho de cabeça erguida, não importa quantos dedos tem apontados a ela, ou quantas pessoas sussurram sobre ela ao passar.

A mulher escarlate torna-se popular e conhecida apenas por existir e por ser ela mesma. Sempre que ela passa e as pessoas apontam e sussurram sobre ela, ela mantém a cabeça erguida e ainda sorri, porque sabe que, sem ela mexer um dedo, o seu nome vai ser conhecido pela cidade. Pelo país. Pelo mundo. Tudo o que tem de fazer é continuar a ser ela mesma: poderosa, destemida, indomável.

A mulher escarlate pode, sim, tornar-se boa esposa, mas nunca deixa que o papel de esposa reprima o seu papel de mulher e deixa bem claro que à mínima coisa que o potencial parceiro tente mudar nela, ela pega nas suas coisas e desaparece do mapa. Já o fez antes, pode voltar a fazê-lo. É uma mulher que trabalhou arduamente e passou por muita coisa para conseguir chegar onde está e recusa-se a deixar que alguém exterior a ela decida o que ela pode ou não ser.

A mulher escarlate ama-se a ela mesma em primeiro lugar e acima de tudo, de tal forma que passa horas a admirar-se, não por ser vaidosa. A vaidade é para quem tempo. Também não é por ser dona da beleza irreal exigida a ela por terceiros. Ela sabe que não é. Ela tem olhos, ela vê que os “defeitos” estão lá: os pneus na barriga e as estrias que marcam o carregar de uma nova vida, as linhas de expressão na cara de tanto rir à gargalhada sem se importar com quem a pode ouvir, as linhas vincadas no canto dos olhos e entre as sobrancelhas, marcas de todas as lutas que ela decidiu que ia vencer, e venceu, os calos nas mãos derivados a todos os anos de estudo e de escrita, porque é o que gosta de fazer e não deixa que ninguém lhe diga o contrário. Até as cicatrizes nas pernas de esfoladelas daquela vez há anos atrás em que decidiu que queria aprender andar de patins, e não parou até conseguir. Ela vê tudo isso, e sorri. E carrega as suas marcas e “defeitos” com todo o orgulho, como uma bandeira erguida bem alta num estandarte para toda a gente ver. Porque sabe que essas marcas fazem parte da sua história, e são elas que a fizeram chegar até aqui.

A mulher escarlate é, acima de tudo, uma mulher. Uma mãe. Uma empresária. Uma dona de casa. Uma esposa. Uma locutora. Uma terapeuta. Uma polícia. Uma secretária. Uma professora. Uma aluna. Uma ativista. É tudo isto e muito mais, mas porque ela assim escolheu, e não porque se submeteu à pressão e ao que é suposto uma mulher ser, seja lá isso o que for.

Eu sou a mulher escarlate. E a mulher escarlate sou eu. A mulher escarlate vive em todas as mulheres, embora, talvez, adormecida por diversas circunstâncias da vida. Mas um dia vai acordar. E vai voltar a fazer o patriarcado tremer. E vai voltar a silenciar audiências inteiras com o mero som dos seus passos. E vai voltar a ouvir os sussurros. E vai voltar a ver os dedos apontados. E vai, com todo o orgulho, voltar a sorrir. 

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