Psicopatia Racional

Lembram-se, há uns tempos atrás, quando falei das tendências para a depressão, de eu dizer que esse é um dos meus dois distúrbios? Se se lembram disso, de certo que se lembram que eu disse que iria, um dia, falar do meu outro distúrbio… Em primeiro lugar, quero desde já pedir que não se assustem com o titulo desta mensagem, não é nada do que estão a pensar.
 
Eu explico: eu fui diagnosticada com psicopatia, o distúrbio está cá, mas não tenho nada a ver com os psicopatas que vocês veem nos filmes, sou o completo oposto.
 
Eu tenho psicopatia racional, ou seja, tenho o distúrbio, sinto os efeitos, mas, ao contrário de uma pessoa que sofra de psicopatia, dita, real, eu sei distinguir o bem do mal, não sinto qualquer prazer ao presenciar ou provocar violência ou sofrimento alheio, e por muitas formas de matar alguém que me passem pela cabeça, nenhuma delas é posta em prática. NUNCA! Nem por mim, nem por ninguém. O meu distúrbio em nada altera a pessoa que sou.
 
Eu vou contar a história de como fui diagnosticada, e talvez assim consigam perceber do que estou a falar: este meu distúrbio foi descoberto no meu sétimo ano de escola. Nesse ano, a minha Diretora de Turma decidiu que eu devia visitar a psicóloga da escola, porque não achava normal eu entrar muda e sair calada da sala (ainda hoje não percebi qual o problema de ficar calada durante a aula, mas enfim…), mas hoje agradeço por ela o ter feito.
 
A verdade é que desde o meu primeiro dia naquela escola que, vai-se lá saber porquê, eu sofri bullying, e não estou a falar de implicância ou serem chateados durante um dia ou dois e pronto, que é a isso que agora chamam bullying, eu sofri as piores coisas que se podem fazer a uma criança. Durante anos. Todos os dias. Por toda a gente. E sem ser ajudada por ninguém. Era agredida. Não podia usar vestidos nem saias porque me despiam em frente à escola inteira. Era assediada. Quase fui violada, diversas vezes. Era perseguida, dentro e fora da escola. Roubavam-me sempre que viam oportunidade para isso. Tinham inveja? Talvez. Mas o que eu sei é que foram quatro anos de luta desigual: eu contra quatrocentas pessoas. E acreditem em mim que não é fácil, muito menos para uma criança, enfrentar uma luta dessas completamente sozinha. No entanto, nunca me viram chorar. E se calhar foi aí que começou o problema…
 
Gastei fortunas em participações disciplinares, no tempo em que se comprava o papel na reprografia da escola, e nunca vi justiça nenhuma. Nunca se resolveu porra nenhuma, nunca fizeram nada para melhorar as coisas, simplesmente viam as coisas acontecer e não faziam nada. E tudo isso foi acumulando uma enorme quantidade de raiva dentro de mim, raiva essa que nunca foi deitada cá para fora, e um problema que podia ser resolvido facilmente, transformou-se no que é hoje.
 
Nesse dito sétimo ano, havia uma miúda em particular que me fazia a vida num completo inferno, e ainda por cima era cobarde, fazia sempre tudo pela calada. E foi por causa dela que me fechei completamente dentro de mim mesma, e foi por causa dela que existiu aquele dia em que me mandaram para a psicóloga. Lembro-me como se fosse hoje…
 
Sei que saí da sala com as minhas coisas e fui até ao gabinete da tal psicóloga. Lembro-me perfeitamente de me sentir como se, a meio do caminho, eu tivesse sido possuída por alguma coisa. Era como se não fosse eu que estava ali, e no entanto era eu. Estava plenamente consciente do que estava a fazer, e no entanto estava completamente ausente, como se fosse um zombie, como se, por momentos, tivesse deixado de ser humana. Deixei de sentir, deixei de ouvir com clareza, simplesmente limitei-me a agir.
 
Lembro-me também que me sentei na cadeira, a psicóloga apresentou-se, mas eu não disse nada, nem precisei, porque ela parecia saber perfeitamente quem eu era. Ela perguntou-me porque é que eu achava que estava ali, eu respondi o mesmo que a minha Diretora de Turma me tinha respondido, que não era normal na minha idade não me dar com ninguém, não falar com ninguém. Ela perguntou se havia alguém a incomodar-me, eu respondi que sim. Perguntou quem era, eu disse o nome da rapariga. E foi mais ou menos a partir daqui que posso jurar que nunca vi ninguém tão assustado a olhar para mim, foi aqui que tudo se despoletou, com uma minúscula pergunta: «o que sentes quando ela te incomoda?».
 
Lembro-me perfeitamente de lhe sorrir e responder apenas duas palavras: «apetece-me matá-la…». Quem ouvisse isto, ainda por cima vindo de uma miúda, pensaria "ok, está zangada e revoltada, passou por muito, é normal dizer estas coisas…" e quem me contasse isto, também pensaria o mesmo, é normal uma pessoa dizer coisas estúpidas da boca para fora quanto está zangada.
 
O problema é que eu estava estranhamente calma, e sabia muito bem o que estava a dizer. Do nada, sem ser preciso perguntar-me nada, comecei a descrever a rotina dela, onde é que ela ia nos tais dias às tantas horas com fulano tal, em que sítios ela passava os tempos livres, onde ela vivia, para onde ia antes e depois da escola. E o mais grave foi quando descrevi, com demasiado detalhe, o que lhe faria, como a apanharia, para onde a levaria, tudo pelo que a faria passar antes de lhe pôr fim à vida, e foi aí que a mulher começou a ter medo da pessoa que tinha no gabinete dela.
 
Para sorte dela, ou para meu azar, tudo o que lhe fiz foi espetar-lhe um soco bem assente, nada do que me passou pela cabeça foi posto em prática (não que não faltasse vontade).
 
Como podem ver, sou completamente inofensiva… Quando quero.
 
 
🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜🌛🌜
 
Espero que tenham gostado, e espero que a mensagem de hoje não vos tenha assustado.
 
Até ao próximo tema! ;)
 
 


Comentários

  1. Não posso deixar de comentar este teu testemunho...porque eu também passei por isso vários anos e nem escola, nem psicóloga fizeram nada...enfim, a razão está sempre do lado daqueles que fazem essas coisas.
    Gostei do que li, principalmente daquela parte do "soco bem assente" ahah xD

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, e lamento que tenhas passado por isso. Tal como dizes, a falta de sentido de justiça das autoridades competentes na escola fez com que desenvolvesse este pdoblema mental, mesmo que tenha aprendido a viver com ele, eu sei que ele está cá.
      Fico contente por teres gostado. Beijinhos e até à próxima

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Paradoxo da Experiência

Ser Tradutora

A rapariga no comboio – Critica e Review