Desgraça Alheia

Hoje aconteceu algo que eu juro que pensei que só aconteciam nos filmes e séries americanas, algo que me meteu verdadeiramente nojo e repulsa. Não pensei que o povo português pudesse descer tão baixo.
 
Eis o que aconteceu: pelo que percebi, um homem estava a arranjar qualquer coisa no telhado ou algo parecido de um prédio. Algo deve ter acontecido ao equilíbrio do escadote e ele, basicamente, baldeou para o pátio do prédio da frente. Resumindo: a queda foi grande, mas felizmente e pelo que sei, o senhor só partiu uma perna. Para essa pobre criatura, que desconheço quem é, desejos de rápidas melhoras.
 
Adiante, não posso dizer que sou melhor que os outros porque também fiquei quase duas horas à espera de noticias, ou de saber o que se estava a passar, mas eis a diferença entre mim, e os que estavam comigo, e todos os outros que entretanto apareceram: eu e o meu pessoal estávamos na esplanada de um café a fumar um cigarro, café esse que fica mesmo em frente do prédio onde tudo aconteceu. Simplesmente permanecemos ali, à espera para ver como tudo acabava, alguns de nós, incluindo eu, oferecendo a nossa ajuda aos bombeiros para qualquer coisa que fosse precisa.
 
O resto do pessoal que apareceu resumiu-se à seguinte triste figura:
  1. vários chegaram vindos de sabe-se lá de onde, de propósito para ver o lamentável espetáculo, e instalaram-se no primeiro canto que encontraram, a ocupar espaço de passagem precioso para os bombeiros. A esses, só lhes faltou o balde de pipocas.
  2. houve outros tantos que tudo o que souberam fazer foi sacar dos telemóveis e meteram-se a filmar a cena, certamente para postar nas redes sociais, porque é isso que importava no momento, não era? A propósito, à senhora que foi de propósito a casa para ir buscar a câmara de filmar, à procura dos 15 minutos de fama na tvi24, devia ter vergonha na cara!
  3. houve ainda outro que, feito estúpido e armado em chico esperto, achou boa ideia fazer pouco do trabalho árduo dos bombeiros enquanto tentavam libertar a pobre criatura. Esse devia mesmo levar com um capacete pelo nariz.
Estas e outras várias situações aconteceram no mísero espaço de duas horas. Agora, o que eu não consigo perceber é: porquê? O que é que podem, possivelmente, ganhar com a desgraça e azar dos outros? Também se sentiriam bem se algo vos acontecesse e aparecesse meio mundo para ver o que se estava a passar, e quando estivessem finalmente fora de perigo, esse mesmo meio mundo se risse na vossa cara? Ou fizesse pouco do trabalho árduo e delicado que as pessoas que vos libertaram tiveram?

Sabem, esta situação fez-me lembrar da guerra do Vietname, do dia em que os soldados, finalmente, conseguiram voltar a casa, e mesmo assim não foram todos. A média de idades desses mesmos soldados era de 19 anos, ou seja, tinham todos idades entre os 18 e os 20 anos. Eram apenas miúdos, crianças acabadas de sair debaixo das saias da mãe e foram metidos numa das piores guerras que este mundo já viu. Fizeram-se manifestações nas ruas, onde o povo exigia ao governo que trouxesse os «nossos rapazes» para casa.
Isto parece tudo muito bonito, mas sabem o que realmente aconteceu quando finalmente conseguiram chegar a casa? Aconteceu exatamente o que aconteceu aos bombeiros nos trabalhos de resgate desta noite: foram gozados, humilhados, cuspiram-lhes em cima, atiraram-lhes coisas, atiraram-nos ao chão, atormentaram-nos até à exaustão, e tudo porquê? Porque perderam a guerra!
Essa mesma situação repetiu-se esta noite: perguntaram, quase com nojo, para que é que era preciso três carros de bombeiros, fizeram pouco do seu trabalho, disseram que até eles faziam melhor, que se fossem eles a lá ir, o homem já estaria libertado e a caminho do hospital.

Bom, se é assim, então o que vou dizer a seguir serve tanto para hoje, como para o dia de regresso dos soldados da guerra do Vietname há cerca de 50 anos atrás: se faziam melhor, então porque é que não se chegaram logo à frente? Porque, se calhar, falar é fácil. Insultar é fácil. O difícil é dar o corpo ao manifesto. É mais fácil ficar nos bastidores da triste cena, e insultar quem teve as bolas para fazer alguma coisa. É mais fácil mandar a baixo quem viu e sofreu horrores e quem andou feito barata tonta a tentar perceber como resolver a situação.

Com isto, concluo: tanto o que aconteceu há 50 anos atrás, como o que aconteceu hoje, fez-me ganhar ainda mais nojo da raça humana. Nunca vi raça mais podre e mesquinha. Tudo o que sabe fazer é comentar e dizer que fazia melhor, mas é quando chega a hora da verdade que se vê quem é verdadeiramente pessoa, e quem é simplesmente um ser humano. É triste, mas acho que a vida é mesmo assim…




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Por hoje foi isto. Espero que tenham gostado e que a minha humilde e desgostosa opinião consiga, talvez, fazer alguma mudança em algumas formas de agir, como as que eu referi acima.

Obrigada e vemo-nos no próximo tema

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