Hipócrisia

Acho que esta palavra - hipocrisia - é comum em todos os círculos sociais: religiosos, formais, informais, casuais, todos eles. Também posso quase garantir que todos vocês já ouviram aquela típica frase "quem mexe com os meus, mexe comigo" certo? Ou outra ainda melhor que é "quando os meus precisam, estou lá sempre", não é verdade?
 
Para alivio de muitos, incluindo de mim mesma, na maioria dos casos essas frases são reais, são princípios fundamentais e básicos na vida de algumas pessoas, e graças aos Deuses que assim é, eu pelo menos funciono assim, sempre que posso, ajudo no que conseguir e no que me for possível, sejam amigos, conhecidos, ou até mesmo completos estranhos. Gosto muito da sensação de dever cumprido, da sensação que fiz diferença na vida de alguém, mesmo que seja uma diferença pequena, acho que pertenço à raça que chamam extinta. Fiquem sabendo que não estamos extintos, ainda há vários de nós, apenas não se mostram, tal como eu. Simplesmente fazem o que têm a fazer e pronto.
 
Mas há outros, que espero sinceramente que não seja nenhum de vocês, que pensam e se comportam exatamente ao contrário. De certo que conhecem a expressão "quando os problemas aparecem, é que se vê quem são os verdadeiros amigos" e uma coisa que me aconteceu há uns dias atrás fez-me ver que é mesmo verdade. Eu já sabia que era assim, mas nunca tinha visto nenhum caso de perto e devo dizer que me deixou indignada e me deu muita raiva.
 
Para que percebam tudo direito, pelo menos os interessados em saber a história, eu vou explicar tudo do inicio.
 
Como eu vivo no meio de nenhures - não por muito mais tempo, graças a Deus - todos os dias venho para a cidade mais próxima, que é onde estão os meus amigos, e mesmo que não estivessem, não tenho autorização para ficar sozinha em casa, muito menos depois da minha casa ter sido assaltada. À noite, como é costume, a minha mãe liga-me, pega-me no carro, e vamos as duas para casa. Normalmente acontece tudo com a maior das calmas, mas na semana passada aconteceu algo diferente. Quando eu saí do estabelecimento onde estava, vi o carro da minha mãe parado e alguém a conversar com ela à janela. Reconheci o rapaz, e pensei que ela também o conhecia, por isso não liguei muito ao inicio, só comecei a torcer o nariz quando ia abrir a porta do carro para meter lá as minhas e entrar e me deparei com a porta trancada.
 
Desconfiei, mas como conhecia o rapaz, sabia que não havia perigo, e as portas só foram destrancadas quando a minha mãe viu que ele também me conhecia. Começámos a falar, enquanto me explicava o que se estava a passar, e foi aí que tudo se encaixou.
 
Resumindo e baralhando: a pobre criatura estava lesionada, partiu os dedos do pé todos, vai-se lá saber como. A situação piorou porque ele andou ainda dois dias com botas de biqueira de aço e com os dedos partidos - como devem imaginar, a sensação não é agradável - e o médico do trabalho meteu-lhe baixa quando os colegas repararam que ele coxeava, ou melhor, arrastava-se durante o trabalho. Então, basicamente, ele tinha ido ao hospital fazer o penso, porque pelos vistos no centro de saúde local não se fazem esses serviços, e quando estava na paragem de autocarro para ir para casa, o autocarro simplesmente passou por ele, quem entrou, entrou, quem não entrou, entrasse, e o rapaz ficou apeado, de moletas, debaixo de chuva. Muita chuva.
 
Então, o que é que estava a acontecer ali? A pobre criatura andava a pedir boleia a estranhos, porque já não havia mais autocarros e o pai dele, como é camionista, só chegaria por volta das duas da manhã, porque estava a fazer um trabalho no porto.
 
No meio disto tudo, onde é que está a minha revolta? Simples:
 
1) No condutor do autocarro, que parou a uns dez metros da paragem, quando estava a chover picaretas, e as pessoas que saíssem do abrigo da paragem, se encharcassem por completo e fossem até ao autocarro. O pobre do rapaz, como estava de moletas, teve medo de ir para a chuva, porque ia molhar o gesso, porque podia escorregar, enfim… Mil e uma coisa que podem acontecer!
 
2) Nos amigos do rapaz, que dizem exatamente aquelas expressões que indiquei no inicio deste texto que vos escrevo hoje, todos armados em garanhões, que quando o pessoal deles precisa, estão lá sempre e todo esse tipo de disparates, porque notam-se que são disparates. O que é que custava alguém perder meia hora do tempo deles para levar o rapaz a casa? Ou deixarem-no ficar lá por casa, oferecerem-lhe um lugar no sofá, uma refeição quente e um telefone para ele ligar ao pai a avisar onde estava para que ele o pudesse ir buscar? Ou deixarem-no pernoitar ali, e de manhã ele iria para casa? Melhor, a namorada desse mesmo rapaz é daqui e nem sequer se disponibilizou para o ajudar. O que é que esta gente pensa que é namorar? Só andar aos beijos no meio da rua? Porque para mim, isso não é, nem significa, absolutamente nada!
 
Eu vou ser honesta: o rapaz não é meu amigo. Eu não o considero meu amigo, aliás, como já cheguei a dizer aqui no blog, amigos eu conto-os pelos dedos, e amigos verdadeiros tenho, no máximo, três. O rapaz é apenas meu conhecido, é amigo de um amigo, e até eu o ajudei! Eu, que mal o conheço, desocupei o banco de trás do meu carro, ajudei-o a entrar, arrumei-lhe as moletas, levei-o a casa, que fica para trás do sol posto, fiz um desvio gigantesco, atrasei a minha hora de jantar, porque havia alguém conhecido - atenção, é conhecido, não é amigo - a precisar de ajuda, enquanto os que se dizem amigos dele, e os pais desses amigos, disseram que não podiam levá-lo a casa porque estava na hora de jantar! Mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra?!
 
Agora, expliquem-me a lógica disto: um amigo vosso precisa de ajuda, está longe de casa, são várias horas a pé até casa dele, e vocês não o ajudam, nem lhe dão guarida, porque é hora de jantar! Expliquem-me, a sério, porque até agora eu não consegui perceber! Quero dizer, fazem-se todos garanhões a dizer que são amigos para a vida, e não-sei-quê, e "puto, sempre que precisares, sabes que estou aqui" e "podes sempre contar comigo", isso tudo para quê? Para se armarem em frente a toda a gente? Porque até agora, é a única explicação que vejo! Porque quando alguém precisa mesmo, metem o rabinho entre as pernas e viram as costas! É isso que significa ser amigo para vocês? Porque para mim, ser amigo tem um significado completamente diferente.
 
É estar lá sempre, para o bem e para o mal, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na pobreza e na riqueza, no sucesso e no falhanço, no amor e no desgosto, para rirmos juntos e para chorarmos juntos, para cairmos e nos levantarmos juntos, para o resto da nossa vida, até que a morte nos separe. É isso mesmo: para mim, a amizade funciona como o casamento, com juramentos de amizade eterna e tudo. Para mim, a amizade é um compromisso para a vida, tal como o casamento devia ser. Quando eu chamo alguém de amigo, essa pessoa sabe que eu vou estar lá sempre, tal como espero que os meus amigos estejam lá sempre. Para mim, isto é amizade.
 
Mas, pelo que vi até agora, acho que sou a única que pensa assim… E isso deixa-me muito triste, e desiludida…

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