Dois meses...

Já lá vão dois meses de isolamento, pelo menos da minha parte. Assim que começaram a aparecer os primeiros casos em Portugal, vi-me obrigada a ficar mais recolhida, comecei a sair menos de casa, mas o verdadeiro isolamento começou quando apareceu o primeiro caso na minha cidade. A partir daí, fiz-me prisioneira na minha própria casa, pois vivo com alguém que pertence ao grupo de risco. É fraca a nível imunológico e sofre de DOPC - Doença Obstrutiva Pulmonar Crónica - por isso, tenho que pensar nela em primeiro lugar. Eu poderia safar-me se apanhasse este vírus, sou jovem e tenho um bom sistema imunitário, mas ela não teria tanta sorte. 

Por isso, isolei-me na minha casa. Tenho a vantagem de viver no meio do campo, aqui a probabilidade de ficar doente é quase zero, a não ser que tragamos alguma coisa agarrada a nós, mas temos sempre imenso cuidado ao voltar a casa depois das pequenas saídas em busca de bens essenciais. Mas o isolamento feito num sitio isolado também tem os seus pontos negativos.

Por exemplo, quem vive na cidade, mesmo estando isolado, pode sempre ir à janela ou à varanda. Mesmo que as ruas estejam vazias, há sempre qualquer coisa a acontecer na cidade. Ou pode sempre falar com o vizinho que também se aborreceu de estar em casa e também decidiu ir à janela. Sempre tem alguma interação humana, seja lá por onde for. 

Eu estou melhor que muitas pessoas, não vivo sozinha, tenho alguém a viver comigo, mas ela trabalha no ramo da agricultura, e não pode fazer as coisas em teletrabalho porque há coisas que só no escritório é que se conseguem fazer, então só a vejo de manhã e à noite, quando ela volta do trabalho. Durante o resto do dia, depois das tarefas habituais, fico sentada no meu quarto ou na mesa da cozinha, a olhar pela janela para o terreno vizinho, sem saber muito bem o que fazer a seguir, porque já fiz tudo, e já estou farta de ver televisão, e estou farta de ouvir música, e nem acredito que vou dizer isto, mas também estou farta de escrever.

As primeiras semanas foram engraçadas, porque ainda estamos em mudanças e tínhamos ainda imensa coisa para arrumar e para separar, e eu consegui adiantar essa parte, mas aparentemente não temos muita coisa, então, já está tudo embrulhado, empacotado e pronto para ir. Já não há muita coisa que possa usar para ocupar a cabeça e tenho que admitir que isso está a mexer com as minhas celulazinhas cinzentas - como diria Hercule Poirot.

Sei que isto não vai interessar a ninguém, pois, segundo a minha experiência, os tempos de crise e guerra tendem a criar sentimentos de egoísmo e indiferença na maioria das pessoas, e percebo que assim seja, mas decidi deixar o meu testemunho aqui. Quem sabe, servirá para alguém da geração futura quando pesquisar o que aconteceu em 2020 e o que é, exatamente, o coronavirus, e porque é que de vez em quando se fala nisso nas noticias ou entre as pessoas da família. Assim, fica aqui a resposta.

Bem haja! E muita força a todos!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Paradoxo da Experiência

Ser Tradutora

A rapariga no comboio – Critica e Review