20 anos do Dia Mais Negro

 Como todos sabem, ou deveriam saber, este sábado é o vigésimo aniversário do dia mais negro que o mundo já viu. Eu ainda sou do tempo em que, nesse dia, pelo menos em Portugal, não haviam concertos, nem estreias no cinema ou no teatro. Era dia de luto mundial, nem que fosse por empatia ou solidariedade para com quem tinha passado pelo verdadeiro inferno. 

Agora já não é bem assim: já se fazem todo o tipo de espetáculos a ocuparem esta data, mesmo vivendo a altura em que vivemos. Faz-me um bocado espécie, mas não vim aqui fazer-vos perder tempo e dar-vos um sermão sobre o assunto. Não me diz respeito, cada um encara este dia como achar melhor. 

Quem tem acesso a canais temáticos, como o Canal História, Odisseia, e outros tantos do mesmo género, de certo que já viu na lista de programação várias horas seguidas de documentários e testemunhos dos sobreviventes e familiares. Mas, como seria de esperar, no meio da confusão que foi, e que continua a ser, é humanamente impossível conseguir achar todas as famílias dos que perderam a vida e todos os sobreviventes. É muita gente, e a menos que se acusem ou que escrevam para os canais de televisão a dizerem que são sobreviventes e/ou familiares ou amigos de quem lá esteve, tenha sobrevivido ou não, nunca mais acham toda a gente, e é isso que venho aqui fazer hoje.

Venho contar a história de alguém que esteve lá, e pura e simplesmente fulminou-se, como tantas outras milhares de pessoas. Esta história não está diretamente ligada a mim, mas a um familiar de uma grande amiga da minha mãe. Esta história nunca foi contada e não acho justo. Claro que não usarei nomes, tal como nunca usei, e de certo que compreenderão porquê.

Então, eis a história: era um dia normal, tanto em Nova Iorque, como em Portugal. Quando isto aconteceu, eu tinha 4 anos, então não me lembro bem do dia em si, mas lembro-me demasiado bem dos dias que se seguiram. 

Enfim, nesse dia, tudo corria normalmente, até as televisões ficarem inundadas com noticias sobre o ataque às torres, depois ao pentágono, e quase à casa branca. 

Pelo que me foi contado, na penthouse da Torre Norte, creio eu, havia um restaurante panorâmico, com vista para a cidade inteira. Nesse restaurante, um homem, dono de uma empresa de construções, estava a pôr teto falso. Ele mesmo tinha dito à mulher nessa mesma manhã que iria cedo, para conseguir terminar o trabalho depressa para que o restaurante pudesse limpar tudo e preparar-se para servir o almoço. Ele ainda lá estava quando a torre foi atingida. Esse homem era tio da melhor amiga da minha mãe.

Ninguém sabe o que lhe aconteceu: se foi um dos que saltou, se ficou inconsciente com o impacto e sufocou com o fumo, se foi queimado, ou esmagado quando a torre colapsou. Não se encontrou o corpo, nunca mais se ouviu falar dele. Quando a poeira assentou, e tal como tantos outros fizeram, tentaram entrar em contacto com ele, com as autoridades, chegaram a enviar escovas de cabelo e de dentes, para se tentar saber onde é que ele estava. 

Já passaram 20 anos, e ainda hoje continuam sem resposta. 20 anos depois, o tio dessa mulher continua a ser uma campa vazia num cemitério, e ainda ninguém sabe o que lhe aconteceu, a ele e às 2000 pessoas que pura e simplesmente desapareceram. 

É estranho pensar nisso, não é? Sempre ouvi dizer que em todo o lado há um português, seja onde for, onde houver uma desgraça, há sempre um português lá no meio. Parece que é mesmo verdade...

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